Há uns tempos um deputado ou senador brasileiro queria que se abolisse o gerúndio na política brasileira, nos relatórios oficiais , etc. O gerúndio indica um presente contínuo e o político, naturalmente, queixava-se da continuidade desse presente: estamos fazendo, estamos construindo. Nunca se deixava de estar fazendo, nunca se chegava ao pretérito: fizemos, construímos.
O Jornal de Angola e outros órgãos da imprensa estatal, como a TPA, resolveram o problema juntamente com muitos dos nossos políticos. Estamos mais avançados quanto a isso. Veja-se por exemplo este título do Jornal de Angola de hoje: "Executivo substitui pontes destruídas". Depois leia-se o início da notícia:
Nos próximos seis meses, o Instituto Nacional de Estradas de Angola (INEA) vai instalar, na província do Kuando-Kubango, três pontes metálicas, de cerca de 200 metros de comprimento cada, sobre os rios Cuito e Kubango, em substituição das anteriores de betão destruídas durante a guerra que assolou o país.
Deixei a ligação para que o leitor, clicando, vá lá confirmar. Indo, repare como o título nos leva a pensar que o ato está a realizar-se ou mesmo se acaba de realizar. O conteúdo da notícia esclarece que isso ainda vai realizar-se.
O presente, nos noticiários oficiais angolanos, é cada vez mais sinónimo de futuro. Os nossos noticiários e os discursos de alguns políticos são dos mais avançados do mundo, porque nos dão notícias do que passou, do que se está a passar e, principalmente, do que vai acontecer. São notícias do futuro e o futuro é sempre radiante.
O domínio da prática deixa os nossos jornalistas tão seguros que já o estendem à secção internacional. Por exemplo anuncia-se em título, na mesma edição de hoje do JA, que uma força da União Africana vai a caminho da Líbia. O título tem pressa, porque depois, lendo a notícia, percebemos que a UA propôs que se constitua uma força de paz mais alargada e isenta, com ONU, a Liga Árabe, etc., para depois se enviar para a Líbia. Mas, como dominamos o futuro, anunciamos desde já que essa força vai ser da UA e vemo-la já a caminho.
Simples questão de estilo? Claro que não. Manipulação do estilo e da notícia que nos confirmam não estarmos perante órgãos de informação isentos.