segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

PR - conferência de imprensa


Uma iniciativa bem gizada e bem conseguida, a da 'entrevista colectiva' do novo Presidente, João Lourenço. De parabéns os responsáveis por ela e o próprio Presidente, pelo desempenho que teve durante a conferência. 


De forma geral, o novo Presidente mostrou serenidade, capacidade de encaixe, análise objetiva e isenta dos problemas. Agora, três notas 'retóricas':

Uma: um dos pontos fortes foi, sem dúvida, a resposta a João Armando (LAC). A pergunta foi bem formulada, mesmo no que diz respeito à relação entre a corrupção e os salários baixos, que também existe.

Na resposta presidencial, o  ponto fraco foi a passagem relativa à subida dos salários, que não pode continuar à espera, porque a maioria da população se encontra no limite da sobrevivência. No entanto, João Lourenço reconhece que é preciso subi-los e compromete-se a fazê-lo. Corajoso e frontal, o novo presidente alertou para que a melhoria dos salários implica a diminuição dos excedentes (uma prova de realismo, de resto, há muito reclamada por economistas sensatos e experientes, nacionais e internacionais). Mostrando sensibilidade às questões sociais, alerta para que a diminuição de excedentes não deve conduzir ao desemprego generalizado. A sua estratégia retórica teve o ponto mais alto na viragem que deu à questão: como a pergunta foi relacionada com a corrupção, JLo aproveitou a deixa para mostrar que o problema é a corrupção dos ricos e marcou pontos. 

Duas: um dos pontos fracos foi a resposta ao questionamento sobre a despartidarização do Estado. Não me parece que o jornalista quisesse afirmar que o vice-presidente devia ser da oposição... A resposta contornou, brincou, sofismou e não foi cabal, não enfrentou a questão. Fê-lo de forma a que o efeito imediato fosse garantido, amesquinhando o jornalista como se fosse adversário, mas, revisto em diferido, o procedimento falsificou o problema colocado e isso não é bom.

Três: um dos pontos fortes da afirmação do novo Presidente e da sua disposição em regressar a um mínimo de normalidade e seriedade institucional foi a demissão de Isabel dos Santos da Sonangol. Por isso, esperava-se que a sua resposta a uma questão relacionada com a demissão (Lusa) se tornasse num bom momento da 'colectiva', ainda para mais uma questão fácil de responder, tal como foi colocada (bastava optar pela possibilidade positiva das duas que o jornalista aventou). A resposta, porém, demonstrou alguma dificuldade em o novo titular se relacionar com o problema colocado pela nomeação arbitrária e abusiva do ex-presidente pondo a sua filha a controlar os petróleos de Angola. João Lourenço disse: “porque é que eu tenho que me justificar por ter exonerado o PCA de uma empresa pública? Eu não faço isso”. Não é a resposta de um Presidente de um país democrático, muito menos quando ele, na mesma 'roda' com a imprensa, lembrou que deve haver concursos públicos que justifiquem a adjudicação de grandes obras. Da mesma forma, deve-se justificar o fim das adjudicações e o mesmo procedimento se reclama, naturalmente, com a nomeação e a demissão para cargos de tal responsabilidade como o de PCA da Sonangol. Não precisa só de confiança política, um cargo desses precisa até de um concurso público. Mas o novo Presidente recorreu ao mais fraco dos argumentos: não tem que fundamentar a sua decisão porque nunca se justificou, em Angola, uma exoneração. Nem o argumento nem a atitude me parecem corretos ou eficazes. Ainda por cima quando a esperança criada com estes primeiros três meses de governação tem por base, justamente, a mudança para uma postura democrática, aberta à sociedade e, portanto, para uma postura de fundamentação das decisões em face da opinião pública.

Mas, no geral, repito, me parece que João Lourenço passou bem à-vontade na prova, retórica também, que esta conferência de imprensa lhe colocou. E a retórica política é o tema cada vez mais central deste blogue.