segunda-feira, 6 de junho de 2011

abstenção democrática

O presidente português, Aníbal Cavaco Silva, ciente de que a abstenção tinha aumentado, disse que quem não votasse não devia criticar. Digamos, lusitanamente, que foi uma azelhice política. Os que mais autoridade têm para criticar o sistema partidocrático são precisamente os que não votam para não legitimarem o sistema que denunciam. 


É uma tendência das democracias europeias, a de uma cada vez maior abstenção. Mesmo nos países em que, oficialmente, pode haver candidaturas independentes, o que se passa é que o eleitor não pode criar a sua escolha, tem de criar na prática um partido político para depois o dominar, em bando e com dinheiro de empresários ou de potências estrangeiras. Ao fim do longo (e pouco límpido) percurso poderá apresentar-se às urnas. Que independência, que margem de manobra e que autenticidade lhe sobra?


O que os eleitores têm à sua frente, num boletim de voto universal, é a escolha entre meia dúzia de possibilidades combinadas por meia dúzia (se tanto) de partidos. O que permite formar-se a oligarquia que domina a Europa democrática, uma junção radio-ativa e cancerígena de empresários, politiqueiros, intriguistas e mafiosos. 


Depois as populações boicotam os votos. Num dos casos ocorridos nestas eleições portuguesas, para que os políticos, democraticamente eleitos, consigam arranjar uma estrada que está há 10 anos à espera de ser arranjada...


A lição a extrair desta situação corrosiva e explosiva é bem diferente da que tirou o presidente da república portuguesa. Ela deve servir todas as jovens democracias, todos os povos que lutam por democracia, liberdade, participação livre na vida política. A lição a extrair é a de que a democracia deve ser para todos e, portanto, deve abrir-se a candidaturas fora dos partidos políticos admitidos. Deve simplificar-se ao máximo o processo de apresentação de candidaturas e deve, quanto possível, estimular-se a sociedade civil e os diversos órgãos sociais (sindicatos livres, associações de empresários, comités de bairros, etc.) a apresentarem candidaturas próprias a todos os cargos elegíveis. 


O voto obrigatório, pelo contrário, deve ser recusado. É uma contradição nos termos e é uma imposição que disfarça mas não resolve a quebra de legitimidade da democracia partidária. 


Pode ser que, para nós, aqui em Angola, essa lição ainda venha a servir um dia.